COP 30: inquilinos dizem que foram obrigados por proprietários a deixar imóveis alugados em Belém; 'era meu lar', lamenta moradora
22/08/2025
(Foto: Reprodução) Defensoria Pública notifica plataformas de hospedagens com preços abusivos para a Cop 30
A falta de leitos e preços altos de hospedagem são alguns dos principais entraves nos preparativos da COP 30. O problema afeta não apenas delegações estrangeiras, mas também quem vive em imóvel alugado em Belém: há proprietários pedindo imóveis de volta e deixando os inquilinos "na mão".
"A gente morava lá havia 5 anos, quando todo mundo recebeu uma ordem de despejo, todo mundo do prédio . Eles deram 30 dias para a gente se mudar e procurar outro lugar para morar", comenta a universitária Evelyn Ludovina.
O que ocorreu com a família da estudante Evelyn Ludovina se repetiu com a professora Ana Carolina Barros. Sem justificativa clara, o proprietário deu 30 dias para que ela deixasse a casa, onde morava também havia 5 anos.
"Eu estava em viagem em outro país. Recebi uma mensagem do dono do apartamento pedindo o imóvel de volta sem ao menos me avisar e após ter confirmado comigo que esse ano seguiríamos com o contrato. Eu fico atônita, pois não esperava passar por isso. Saí de casa com a certeza de que iria voltar", conta Ana Carolina, de 27 anos.
"Comecei a me desesperar e procurar casa, mas estando em outro lugar a busca estava muito complicada, tudo o que eu achava era no mínimo R$ 4 mil ou R$ 2 mil, podendo ficar no local até antes da COP acontecer. Ou seja estamos sendo retirados dos nossos espaços por causa de um evento", lamenta Ana.
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O corretor de imóveis Rodolfo Magalhães afirma que, com a COP 30, muitos proprietários decidiram pedir o término de contratos com a expectativa de altos ganhos com o evento da ONU.
"Muitas pessoas que tinham seus contratos regulares, clientes com 7, 8 anos já morando no seu apartamento, resolveu pedir ao longo do ano de 2024, 2025, a finalização do contrato para que ela pudesse mobiliar, preparar e anunciar no período da COP com a expectativa de altos ganhos", diz.
De acordo com a advogada especializada em direito imobiliário Letícia do Vale Alves, para contratos com prazos indeterminados, o documento pode ser rescindido com uma notificação prévia de 30 dias.
A advogada diz ainda que contratos de locação são relações de direito privado e dependem da anuência mútua (veja mais abaixo detalhes sobre o que diz a lei).
🏨 As hospedagens em residências são 60% dos leitos para a COP 30. Os preços altos têm preocupado delegações. O presidente da Áustria, por exemplo, cancelou a participação na COP e o Brasil tenta reverter ausência. O governo diz que haverá 53 mil vagas de hospedagem e reservou 2,3 mil leitos especificamente para os 196 países participantes.
🛎️Órgãos públicos notificaram plataformas para que excluam anúncios com preços abusivos e avaliam entrar na Justiça. Até a noite de quinta-feira (21), nenhuma medida judicial havia sido anunciada.
Mais de um mês vivendo 'entre caixas'
Família precisou ser mudar meses antes da COP em Belém
Evelyn Ludovina/Arquivo pessoal
A família de Evelyn Ludovina - pai, mãe e irmão - morava no bairro Coqueiro desde 2020. Ela acredita que o pedido para deixar o imóvel está relacionado à proximidade da COP 30.
"A gente já sabia que eles alugavam para Airbnb e estavam reformando alguns apartamentos. E a gente achava, deduzia que eles iam pedir o nosso apartamento para alugar com a chegada da COP, mas que seria mais perto do evento".
Segundo ela, todos os moradores receberam ordem de despejo a partir do início do ano para que deixassem os apartamentos. Ela e sua família foram notificadas em março de 2025 para deixar o imóvel até abril. A família não conseguiu cumprir o prazo inicial.
Evelyn diz que eles foram forçados a entrar com uma ação judicial para conseguir um prazo adicional de 30 dias. Por fim, a família se mudou para um imóvel mais caro em outro bairro, na Marambaia. Para a mudança, contaram com ajuda de conhecidos para transportar os bens (foto acima).
A estudante conta que esse foi um período complicado para todos da família. "Foi muito desconfortável porque a gente começou a arrumar todas as nossas coisas e colocar em caixas. A gente ficou mais de um mês vivendo entre as caixas", disse.
"Foi ainda mais complicado porque o meu pai é motorista de aplicativo e como ele estava ajudando minha mãe a procurar as casas, ele teve que ficar sem trabalhar durante esse tempo. Foi complicado porque ele contribui com a renda familiar", afirma.
'Era meu lar'
A professora Ana Carolina tentou negociar e estender a permanência até setembro, após receber as mensagens pedindo para deixar o imóvel onde morava, mas não conseguiu e precisou vender seus bens. Ela destaca o impacto psicológico, além do transtorno financeiro e logístico da mudança.
"Toda essa situação me abalou muito emocionalmente. Aquele apartamento era muito mais que um imóvel pra mim, era meu lar, que construí pouco a pouco com o suor do meu trabalho. O apartamento me acompanhou desde os meus 22 anos até agora com 27. E eu não tive a chance de ao menos me despedir, isso me dói bastante", afirma.
A professora da Ana Carolina Barros no apartamento que precisou sair obrigada, após morar por cinco anos
Ana Carolina Barros/arquivo pessoal
Tanto a família de Evelyn quanto Ana Carolina se depararam com aluguéis mais caro que os antigos, o que dificulta ainda mais a escolha de um novo local para morar.
"Tudo isso que está acontecendo com as pessoas me deixou tão chateada que não quero voltar, não por agora. A oferta de emprego não condiz com os custos da cidade, está quase impossível conseguir pagar por moradia digna em Belém", lamenta Ana.
Esses valores mais altos dos aluguéis é uma tendência que pode continuar após a COP 30, avalia o corretor Rodolfo Magalhães. "Os preços devem se equilibrar, mas eu não acredito que eles devam diminuir. Eles talvez deixem de aumentar".
Porto Futuro II, em Belém, COP 30.
Augusto Miranda/Agência Pará
O que diz a lei?
Segundo a advogada Letícia do Vale Alves, a legalidade da rescisão de contratos de locação é determinada pelo tipo de contrato (prazo determinado ou indeterminado), e pela observância das regras da Lei do Inquilinato.
Letícia explica que um contrato de aluguel de prazo determinado (como 12 meses) pode se tornar um contrato por prazo indeterminado, quando o inquilino continua morando no imóvel após o término do prazo inicial.
Neste caso, a rescisão por parte do locador só pode ocorrer mediante uma notificação prévia de 30 dias.
"Então, se está obedecendo essa previsão de 30 dias que está no artigo 6º da Lei do Inquilinato, se os locadores estão obedecendo este critério específico da lei, tudo bem, está dentro da legalidade", diz.
Letícia destaca que o despejo é ilegal se o locatário for pego de surpresa, ou seja, sem respeitar o prazo mínimo de 30 dias.
"Por exemplo, se eu tenho um contrato de 12 meses, e aos seis meses o locador quer rescindir, ele vai precisar pagar as penalidades que o contrato define e precisar obedecer os prazos legais também", comenta.
A advogada reforça que o mais importante, em qualquer caso de despejo irregular, é formalizar a situação por meio de um boletim de ocorrência e procurar um advogado especializado ou a Defensoria Pública para resguardar os direitos.
Família de Evelyn à esquerda e Ana à direita.
Reprodução / Redes sociais
Os preços da hospedagem em Belém para a COP
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