Crise climática: 'Brasil tem que dar exemplo, e não só cobrar dos países ricos', diz ganhador do Nobel da Paz em Belém, sede da COP 30

  • 10/07/2024
(Foto: Reprodução)
Em Belém, cientista ministrou conferência durante o maior evento científico da América Latina, na UFPA. Philip Fearnside, ganhador do Nobel da Paz em 2007, durante conferência em Belém. Ascom SBPC "A sustentabilidade precisa ser incorporada na prioridade do governo brasileiro". A afirmação é do biólogo americano Philip Fearnside, pesquisador da Academia Brasileira de Ciências e ganhador do prêmio Nobel da Paz em 2007, por meio do grupo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC). "O Brasil tem que entrar no papel de liderança, não apenas cobrar dos países ricos, que também precisam cumprir compromissos de redução das emissões de carbono". O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) participou de conferência, nesta terça-feira (9), na 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém - considerado o maior evento científico da América Latina. Na palestra “A perda dos serviços ambientais ameaça um futuro sustentável e inclusivo para a Amazônia”, ele destacou que incêndios descontrolados podem acabar com a floresta tanto quanto o desmatamento e exploração ilegal de madeira. Fearnside é doutor pelo departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. Biólogo americano Philip Fearnside durante entrevista em Belém Em entrevista ao g1, Fearnside comentou sobre investimentos estrangeiros na região amazônica, os compromissos do Brasil em prol do meio ambiente para controlar as mudanças climáticas, e também desafios para manter a floresta em pé. g1 - Como você avalia a chegada de capital estrangeiro para ser investido em sustentabilidade na Amazônia e a forma como ele tem sido usado para compensar, por exemplo, as emissões de outros países? Philip - De fato, dinheiro de fora é importante porque precisa de dinheiro, agora muitas dessas questões sobre evitar desmatamento e buscar ações mais sustentáveis, como fazer a transição energética, são questões que têm que ser da prioridade própria do governo. Não é igual a saúde, educação, e não é só para quando se tem um 'dinheiro que cai do céu', quando algum país enviou dinheiro de fora, ou o quando governo vender concessões, mas sim investimentos incorporados na própria prioridade do governo, e isso não está acontecendo. Ninguém vai negar esse dinheiro oferecido, mas é importante o governo assumir a responsabilidade própria para este tipo de gasto. g1 - Você disse, na conferência, mesmo que o Brasil e outros países cumpram metas de diminuição de emissões, por exemplo 58% do Brasil até 2030, ainda não é suficiente para evitar o ponto de não retorno na Amazônia. Então ainda há saída? Phillip - É evidente que os países têm que aumentar esses compromissos e têm que realmente cumprir esse compromisso, mas nenhuma das duas coisas está acontecendo. Então o Brasil precisa entrar no papel de liderança e não só de cobrar dos países ricos. O país já tinha que fazer o exemplo de realmente diminuir as próprias emissões e é um dos países que mais tem opções para fazer isso. Primeiro, um pouco mais da metade da emissão brasileira vem do desmatamento, por isso a redução é importante. Além disso, há opções energéticas que não sejam combustível fóssil, energia nuclear, hidrelétricas, mas opções com menos impactos como o caso de eólica, solar, que também têm impactos, mas muito menos que os outros. No caso da eletricidade, por exemplo, o Plano Nacional de Mudança de Clima estima que 5% de toda a eletricidade no Brasil é usada para esquentar água, com os chuveiros elétricos. É uma loucura, mas está aí um belo 'monstro de energia'. Esse plano existe desde 2008 e tem como objetivo do governo acabar com o chuveiro elétrico e ainda não foi feito nada. Só foram feitas cada vez mais barragens. Então há muitas opções aqui, mas não estão sendo implementadas, então vai muito no interesse do país de entrar nesse papel de dar exemplo, mas infelizmente, fora o esforço do Ministério do Meio Ambiente para reprimir o desmatamento, o resto do governo está no outro lado da questão. Isso que tem que mudar. g1 - Vivendo há algumas décadas na Amazônia, você pode então fazer um balanço do cenário atual que permeia a questão dos serviços ambientais? Estamos cada vez mais ouvindo falar sobre "grilagem verde" e de algumas experiências que na Amazônia têm dado errado justamente quando pensamos nas comunidades, que vivem nessas áreas de floresta que deveriam ser preservadas. Então quais são os desafios para que a Amazônia brasileira consiga implementar os serviços ambientais e que isso retorne para quem vive nela? Phillip - Tem que evitar desmatamento, e para isso não só abrir grandes blocos de floresta, ou construir mais estradas, pois com isso entram junto a grilagem, o agronegócio, produtores sem terras, todos os atores que não previstos no plano do governo. O que acontece é que os povos tradicionais, embora muito importantes para manter a floresta, não vão conseguir enfrentar os grileiros e outros grupos que entraram. Então a população da floresta fica simplesmente substituída. Com isso vem todo um ciclo que vai dos próprios invasores, para pequenos agricultores, depois substituídos por grandes fazendas de gado, e em seguida são substituídas por plantações de soja. Toda essa sequência fica fora do controle do governo então é preciso olhar para decisões chaves. A política de construir estradas na Amazônia é uma decisão chave, também política, uma opção do governo, tomada pela manutenção da governança, mas isso não vai funcionar. 'Estamos atrasados', diz biólogo sobre mudanças climáticas LEIA TAMBÉM 'Estamos em uma posição muito perigosa', diz ganhador de Nobel sobre falta de preservação das florestas brasileiras Quem é Philip Fearnside O americano Philip Martin Fearnside se formou com honras Magna Cum Laude em ciências biológicas (1969) pela Colorado College (EUA), possui mestrado em zoologia (1974) pela Universidade de Michigan (EUA) e doutorado em ciências biológicas (1978). Fez especialização em sistemas de informações geográficas na Universidade de São Paulo (USP) em 1994. Desde a metade da década de 1970, ele pesquisa problemas ambientais na Amazônia brasileira e viveu por dois anos na Rodovia Transamazônica. Já recebeu prêmios e títulos e é o segundo cientista mais citado sobre aquecimento global (2006). Em 2007, dividiu o Nobel da Paz de 2007 com Al Gore e outros 3000 cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). É membro da Academia Brasileira de Ciência (ABC) e é associado à Academia de Ciências de Chicago (CAS), à Sociedade Científica Mexicana de Ecologia (SCME) e à Sociedade Linneana de Londres. VÍDEOS: veja todas as notícias do Pará Confira outras notícias do estado no g1 PA

FONTE: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2024/07/10/crise-climatica-brasil-tem-que-dar-exemplo-e-nao-so-cobrar-dos-paises-ricos-diz-ganhador-do-nobel-em-conferencia-em-belem-sede-da-cop-30.ghtml


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